A presença de elfos pretos em O Senhor dos Anéis revolta você?

 Renan da Cruz Padilha Soares (*)

Quantos elfos pretos existem na sua vizinhança? Isso mesmo, nenhum! E sabe o motivo? É porque não existem elfos! Parece inusitado começar este texto assim, mas vivemos em uma época inusitada. Recentemente a polêmica que tomou conta do universo da cultura pop foi a existência, ou não, de elfos de pele negra no mundo de Tolkien. A razão dessa escaramuça virtual foram os trailers de “O Senhor dos Anéis: os anéis de poder”, série produzida pelo Amazon Prime e que estreia no dia 2 de setembro.

 

Porém, de todas as inúmeras discussões que poderiam ter acontecido — cenários, personagens, qualidade técnica e possível enredo —, o que parece ter chamado a atenção de um grupo foi o trecho de poucos segundos em que aparecem elfos de pele negra. Imediatamente a internet foi tomada de comentários afirmando não existirem elfos negros (aparentemente eles acreditam que existem elfos brancos), seguidos de lamentações por macularem uma obra sagrada e destruírem a infância desses jovens de 40 e poucos anos. Com poucas cenas, a série já estava condenada para alguns que não aguentam a diversidade.

 

Mas, afinal, Tolkien escreveu que os elfos eram todos brancos ou não? Primeiramente vamos deixar algo bem claro. Toda obra audiovisual inspirada em livros é uma adaptação. Ou seja, é impossível se reproduzir exatamente aquilo que estava escrito. É uma outra linguagem, para outro público e com outros objetivos. Não vai ser igual! Dito isso, algumas adaptações são boas, como a trilogia de O Senhor dos Anéis, de Peter Jackson, outras nem tanto, como a trilogia de O Hobbit, do mesmo diretor. Mas o que definirá se uma adaptação foi, ou não, boa é a fidelidade com o enredo, as personalidades dos personagens e o desenrolar dos acontecimentos. Se a cor da pele de uma pessoa é relevante para a história, ela deve ser mantida tal como foi escrita. Se não é relevante, não importa sua etnia.

 

Agora, vamos ao que escreveu Tolkien. Ele foi um homem de sua época, lugar e grupo social. Muito do que escreveu pode ser analisado como estereótipos e representações complicadas sobre os povos do Oriente e do Ocidente, do Sul e do Norte. É importante dizer, também, que, ao longo de sua vida e produções, Tolkien escreveu e reescreveu suas histórias, muitas vezes mudando suas versões. Porém, os estudiosos do autor afirmam que, em nenhum momento, foi descrito que os elfos eram todos brancos. Alguns grupos élficos e alguns personagens, como Galadriel, são descritos como brancos e só. Aparentemente, a cor da pele dos elfos é uma preocupação maior para alguns fãs do que para o próprio autor.

 

A motivação principal de Tolkien era criar um pano de fundo histórico para as diversas línguas que criou. Nisso, descreve processos de migração e separação de povos que justificaria, ao longo de milhares de anos, surgimento de diversas línguas diferentes. Considerando essa questão, a adaptação de seus escritos para o audiovisual pode justificar perfeitamente, dentro da narrativa original, a existência de elfos negros. E, mesmo que não houvesse essa possibilidade, estamos falando de um mundo fantástico.

 

Mesmo  que inspirado em diversas mitologias do mundo real, ainda é uma fantasia. Se a introdução de personagens negros for somente para trazer diversidade e representatividade ao mundo, já está justificado. Não se trata de uma falsificação histórica, e sim uma adaptação possível que, só por uma questão de cor de pele, em nada fere o mundo fantástico. Então, se você está revoltado com a introdução de elfos pretos na série inspirada no mundo de Tolkien, você não é um fã purista, é só racista mesmo.    

 

(*) Renan da Cruz Padilha Soares é graduado em História pela Universidade Federal Fluminense e mestre em Práticas na Educação Básica pelo Colégio Pedro II. É docente da área de Linguagens e Sociedade, curso de História, no Centro Universitário Internacional Uninter.

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