O cineasta curitibano encontra na realidade a forma de criar seus filmes
Por Thiana Perusso
O realizador Luciano Coelho é o homenageado do I Festival Luz de Cinema Latino-Americano, pela contribuição ao cinema latino-americano. A escolha do festival é um reconhecimento à ação cinematográfica de Luciano Coelho em diversas áreas do audiovisual, por meio das quais tem contribuído para a manifestação das identidades do cinema latino-americano; em especial, o seu olhar para o local, a Curitiba de invisibilidades e diferenças.
Filho de um dos maiores arquitetos paranaenses – que inclusive projetou a Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), sede do festival –, Manoel Coelho, e da artista plástica Denise Coelho, Luciano começou a interessar-se por cinema aos oito anos. Aos 43 anos, o cineasta tem uma vasta história para contar.
Formado em arquitetura, Luciano não prosseguiu carreira por conta de ter sido aceito no processo seletivo da Escuela Internacional de Cine y Televisión de San Antonio de Los Baños, em Cuba, na qual teve a sua formação como documentarista e dirigiu os primeiros filmes. Em 1998, no Chile, fez “História de um passado perdido”. Entre este e o filme mais recente, “A linha fria do horizonte” (2014), são mais de 15 anos.
Inicio e Olho Vivo
Em Curitiba, Luciano começou trabalhando com importantes figuras do cinema curitibano, como Beto Carminatti e Fernando Severo. Em 2002, dirigiu o primeiro curta de ficção, "O Fim do Ciúme”, que ganhou, entre outros prêmios, dois kikitos no Festival de Gramado, inclusive como melhor roteiro.
Na produção de seu primeiro curta de ficção, Luciano conheceu o ator e cineasta Marcelo Munhoz, com quem fundou o Projeto Olho Vivo, em 2003. Esse projeto é considerado um marco no cinema curitibano, pois durante uma década firmou-se como um importante centro de formação para o público da cidade. Para a cineasta Juliana Sanson, uma das primeiras alunas das oficinas ministradas por Luciano, o projeto e ele foram muito importantes para a sua formação. “O Luciano estuda muito e está sempre se atualizando e buscando perfeição em tudo o que faz. Além disso, ele é um ótimo professor e passa a sua paixão para os alunos.”
Dentro do Projeto Olho Vivo, foram desenvolvidos uma série de documentários sobre o cotidiano da cidade de Curitiba. Muitos desses filmes foram frutos das oficinas ministradas por Luciano, outros de projetos e roteiros elaborados por ele. Assim, nasceram "Preto No Branco", sobre negros em Curitiba; "Programa de Senhoras", sobre prostitutas de meia idade; "Ser Mulher", sobre transexuais; "Vida de Balcão", sobre os quase extintos armazéns da cidade; além do longa "Caras de um Carnaval", sobre o carnaval curitibano.
No Olho Vivo, Luciano coordenou também projetos como o do Ponto de Cultura “Minha Vila Filmo Eu”, que ensinava as ferramentas e a linguagem audiovisual para crianças carentes da Vila Torres, estimulando-as a observarem a realidade na qual viviam e contar suas histórias. E o Ficção Viva, que tinha o objetivo de envolver os ex-alunos das oficinas que realizou, para realizarem ficção a partir da experiência do documentário. Nesse projeto, foi possível trazer nomes de nível internacional para realização de workshops na cidade, como o diretor argentino Carlos Sorín.
O Projeto Olho Vivo encerrou as atividades em 2012. Para simbolizar os 10 anos de existência da produtora e escola de cinema, foram reunidos em um box, oito DVDs com 20 documentários marcantes dessa história.
Filmes marcantes
O curta "Medo de Sangue" (2010) marcou a volta do Luciano aos filmes de ficção. Depois disso, ele dirigiu "Uns Braços" (2012), adaptado do conto de Machado de Assis, e "Vazio" (2014). Christiane Spode, a qual produziu esses três últimos filmes, conta que Luciano é um roteirista premiado e que faz questão de finalizar e montar todos os filmes que dirige. “Além de assinar todos os roteiros dos filmes de ficção que dirigiu, ele colabora com outros artistas, como a Juliana Sanson, a qual assinou o roteiro do longa de ficção "Uma Morte Qualquer", dirigido por ela e produzido por mim. O filme está em fase de finalização, com edição e montagem dele”, conta.
Nos últimos três anos, o documentário longa-metragem “A Linha Fria do Horizonte” está sendo produzido. De acordo com Christiane, esse é um projeto muito pessoal para o Luciano, pois nasceu da paixão dele por música e, especialmente, da sua admiração pelo músico gaúcho Vitor Ramil. “O filme trata da relação de vários músicos gaúchos, uruguaios e argentinos com a paisagem da região sul, e é, basicamente, um road movie. Foram duas viagens internacionais, cerca de 20 entrevistas e 120 horas de material bruto, editados pelo Luciano e que resultou no longa e em uma série comissionada pelo Canal Brasil”, conta. O lançamento do filme será no dia 19 de dezembro, com um show de alguns desses músicos, no Teatro Bom Jesus, em Curitiba.
Extremamente apaixonado por seu trabalho e por cultura em geral, Luciano também é músico e já compôs algumas trilhas para seus filmes. Além disso, dizem os colegas, tem uma paixão enorme por ensinar. Por conta disso, os projetos de oficinas e do "Canal Pequeno Príncipe", desenvolvidos dentro do hospital infantil, são atividades e parcerias que ele faz questão de cultivar e se dedicar. Atualmente, o cineasta possui um escritório no bairro Rebouças, em Curitiba, no qual cultiva seus projetos. Agora, está em fase de produção de um documentário sobre a Banda curitibana Blindagem, e ano que vem, iniciará um documentário e oficinas no bairro Tatuquara, com as moradoras da região que construíram a maior horta urbana do estado.
Para o cinema curitibano, a principal contribuição de Luciano foi por ele ter registrado a identidade da cidade, com uma visão que vai além e que busca desvendar uma Curitiba pouco vista. “Internacionalmente, Luciano é um dos poucos cineastas que buscou investigar essa integração regional da região platina ao redor da tríplice fronteira através da cultura. Esse trabalho dele é inédito e fundamental para o cinema de toda a América Latina. Fora isso o Luciano dirigiu dezenas de documentários sobre os mais diversos temas de Curitiba, sendo talvez o cineasta que mais retratou a cidade, numa busca antiga de desmitificar o mito de cidade modelo e mostrar a Curitiba que ninguém vê”, finaliza a parceira de trabalho de Luciano, Chris Spode.
Depoimento especial
Elisandro Dalcin (diretor de fotografia): “A primeira lembrança que tenho do Luciano é que ele foi o meu primeiro professor de roteiro, num curso em Curitiba. Nem sabia muito bem o que gostaria de fazer dentro do cinema. Só sabia que queria estar dentro desse novo mundo. O Luciano acabava de voltar de Cuba, onde fez sua formação cinematográfica e trazia na bagagem aquela energia renovadora, ou no meu caso inspiracional para o início da minha jornada de formação. Muito tempo depois, acompanhei e fiz alguns dos cursos que ofereceram no Olho Vivo. O Luciano é um documentarista por natureza e formação. Multidisciplinar, realiza bem várias funções dentro do trabalho complexo que é fazer um filme. Direção, edição, fotografia, ele opera tão bem o movimento de uma câmera quanto todo esse universo de saberes dentro do cinema. E isso me fez perceber a grande riqueza de formação que ele tem.