Livro sobre guarda de crianças propõe nova discussão na sociedade sobre termos, conceitos e formas para lidar com o tema

 


Elisa Costa Cruz, da defensoria pública do Estado do Rio de Janeiro, aborda as responsabilidades, os descumprimentos dos cuidados na guarda e como assistência moral e material são essenciais para o amparo e desenvolvimento da criança

A defensora pública do Estado do Rio de Janeiro, professora da FGV-Rio e doutora em direito civil pela UERJ, Elisa Costa Cruz, lança o livro ‘Guarda Parental: releitura a partir do cuidado’, pela editora Processo. O livro, resultado do doutorado apresentado à UERJ, divide-se em três capítulos que abordam pontos importantes sobre o reconhecimento da criança como pessoa e seu lugar nos processos judiciais que discutem a guarda de menores de idade. Neles, Elisa coloca em discussão quem é a criança para o Direito e como ela está representada nas normas jurídicas. 

“Guarda Parental: releitura a partir do cuidado” também aborda as responsabilidades envolvidas, os descumprimentos dos cuidados na guarda e como assistência moral e material são essenciais para o amparo e desenvolvimento da criança, embora nem sempre observados pelo sistema jurídico como um todo.

Números

A guarda compartilhada, modalidade de cuidado com os filhos em que os pais dividem as responsabilidades, tem conquistado espaço no Brasil desde a sua inclusão em 2014 no Código Civil. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), desde 2014 o percentual de compartilhamento da guarda aumentou de 7,5% para 26,8% em processos de divórcio. Cerca de 60% das guardas em divórcio são para as mulheres e 20% homens e há espaço para atingir maior igualdade, o que significa entender a importância de pais e mães no desenvolvimento e cuidados com os filhos.

Números na pandemia

Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o número de crianças e adolescentes que perderam os pais durante a pandemia da Covid-19, chega em torno de 45 mil.

A necessidade de um debate crítico

Outro ponto trazido pela defensora pública é a utilização do termo “guarda” nas ações que discutem o futuro das crianças e dos adolescentes. A autora defende que essa é a hora de começar um debate crítico sobre o uso do termo, já que costuma-se entender “guarda” como um contrato de depósito de um objeto, algo inanimado, de natureza geralmente material.

De acordo com a defensora pública a origem do termo remete ao que o Direito esperava dos pais, ou seja, “que os pais conservassem os filhos consigo, no que se aproxima da função do depósito. As distinções surgiam no objetivo a ser atingido, que, no direito de família, seria o processo educacional para tornar a criança um adulto”, escreve a defensora pública.

O problema, de acordo com a autora, é que essa aproximação conceitual leva a guarda de filhos a uma aproximação com posse e propriedade de coisas. “Isso significa que crianças, na exata medida em que ostentam a qualificação jurídica de filhos, serão tornadas objeto de direitos e não pessoas titulares de direitos.”, o que é contrário aos princípios da dignidade da pessoa humana e do melhor interesse da criança.

“A criança não pode converter-se ou aproximar-se da ideia de objeto; ela é pessoa e, como tal, titular de situações jurídicas que serão por ela mesma exercidas de acordo com o seu desenvolvimento, tal como determina a doutrina da proteção integral e o princípio do melhor interesse. Assim, o fundamento da guarda de filhos no direito de família é a dignidade da pessoa humana, o que importa em novas interpretações da guarda, dentre as quais se destaca a efetiva inclusão da criança no debate sobre os cuidados destinados a ela”, afirma.

A criança como pessoa

“Guarda Parental: releitura a partir do cuidado” ainda traz referências históricas relacionadas à criança, que só deixou de ser vista como um receptor passivo das ações a seu favor apenas em 1959. “Essa ascensão da criança como ator jurídico aconteceu com a aprovação, pela Organização das Nações Unidas, da Declaração Universal dos Direitos da Criança. E, somente 30 anos depois, aconteceria a consolidação da criança como pessoa com a aprovação da Convenção sobre Direitos da Criança pela Organização das Nações Unidas”, completa Elisa.  

O livro mostra, ainda, a posição do Estado diante da liberdade familiar, os novos arranjos parentais e a necessidade de buscar novos avanços desde a inclusão da guarda compartilhada no Direito Civil. A guarda compartilhada foi importante avanço na proteção da criança, mas a forma como foi colocada no Código Civil fez parecer que na guarda compartilhada há o direito a conviver com o filho e se responsabilizar por ele, o que não é verdadeiro.

O olhar à preferência materna na guarda, por uma suposta melhor capacidade de exercer os cuidados com os filhos, e as dificuldades desse entendimento diante de pais homossexuais são temas também discutidos

Serviço:

“Guarda Parental: releitura a partir do cuidado”

Editora Processo, 244 páginas.

Preço sugerido: R$145

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Resenha:

Desde a promulgação da Constituição da República de 1988 a guarda foi analisada de duas formas principais no Direito das Famílias: a primeira, com a releitura constitucional a partir da qual a guarda passou a ser entendida como responsabilidade parental exercida no interesse dos filhos; a segundo, a partir de 2008 e 2014 com a inclusão da guarda compartilhada no Código Civil. Esse livro pretende dar início a uma terceira e nova discussão, sobre o conteúdo e significado da guarda. Busca-se mostrar que a guarda sempre esteve associado à posse da criança ou adolescente, o que não se revela compatível com a doutrina da proteção integral e propor a ressignificação do instituto à luz do cuidado.


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